quinta-feira, junho 15, 2006

Visão, revista de Banda Desenhada 1975-76 (VI) - Falando hoje com... Corujo Zíngaro

2ª prancha (de um conjunto de quatro) da bd As Aventuras de Cabral Eanes, da autoria de Corujo Zíngaro, publicada na Visão nº 8, de 10 de Novembro de 1975

Continuando a levar avante o projecto de entrevistar alguns dos autores-artistas da revista Visão, (Victor Mesquita, Pedro Massano, Isabel Lobinho, Corujo Zíngaro, Zé Paulo, Carlos Barradas, Duarte, Nuno Amorim e Zepe, os mais importantes "visionários", na minha opinião), ou seja, um núcleo não de sete, mas de nove magníficos, núcleo esse que marcou indelevelmente o panorama da banda desenhada portuguesa na década de setenta do século passado - alguns deles mantiveram-se em actividade na BD em datas muito posteriores -, chega hoje a vez de reproduzir as respostas (e a foto recente) do autor-artista de banda desenhada Corujo Zíngaro.

Esta sequência de pequenas entrevistas (tipo inquérito) iniciaram-se com Victor Mesquita ("post" de Maio, 30), Pedro Massano ("post" de Maio, 31) e Isabel Lobinho ("post" de Junho,13).

Foto recente de Corujo Zíngaro (nome artístico do banda-desenhista), ou de Carlos Zíngaro (nome artístico do músico)
--------------------------------------------------------

CORUJO ZÍNGARO
(Carlos Alberto Corujo Magalhães Alves - Lisboa, 1948)

- Corujo Zíngaro, o que significou para ti a Visão?
C.Z. - A oportunidade de estar finalmente inserido numa equipa profissional, com alguns dos melhores desenhadores/autores existentes na altura.
Assinalo porém que não participei na aventura desde o seu início por alegada oposição de Victor Mesquita, que nem conhecia pessoalmente e que me consideraria um autor menor.
Foi apenas a partir do número dos "7 Magníficos" que passei a integrar o grupo.
Refiro também que a minha colaboração se resumiu a três únicos números, pelo que dificilmente me poderei considerar uma parte do núcleo "duro" da Visão.
Ficou-me porém o prazer de saborosas reuniões, de imaginações transbordantes, e a vontade de fazer algo único no nosso país. Infelizmente, a partir de muito cedo,com morte anunciada...
Era uma produção caríssima, teoricamente subsidiada por lucros flutuantes, com uma distribuição péssima, que não tinha a mínima ideia de como colocar um produto daqueles e o atirava para as bancas juntamente com a Moda e Bordados e a Capricho...

- Em Abril de 1975, estudavas ou trabalhavas?
C.Z. - Estudava e trabalhava... Estava a acabar o curso de cenografia da Escola Superior de Teatro, onde depois ficaria ainda mais um ano enquanto assistente da cadeira de desenho e membro da Comissão Directiva.
Continuava com o meu grupo Plexus em concertos pelo país. Tinha integrado a fundação do grupo de Teatro Os Cómicos um ano antes, do qual era director musical e que sobreviveria até 1980 - ano a partir do qual eu reciclaria o espaço (no Teatro do Bairro Alto) em galeria de arte com o mesmo nome.
É em 1975 também que se inicia a minha actividade no estrangeiro, com participações e colaborações em seminários e festivais internacionais.

- Que fizeste em BD depois de 1976, após o fim da Visão?
C.Z. - Uma militante colaboração num fanzine, o Ovo, dos ex-Visão Nuno Amorim e Pedro Massano.
A recusa de Júlio Isidro em me integrar com a mesma equipa da Visão na revista infantil de BD - Fungagá da Bicharada - alegadamente por eu não saber fazer BD infantil... Coisa que nunca sequer me foi perguntada.
Finalmente, uma prancha para uma publicação complementar ao Arroz Doce - justamente programa de TV do referido apresentador (teoricamente já não infantil).
E mais uma prancha para uma revista do Ministério da Educação. Recentemente, uma colaboração para o livro sobre Carlos Paredes - que dificilmente poderei considerar BD.
Um período relativamente fértil em 1980/90 de ilustração e cartoon para as revistas do TNS, Carlos, revista de Artes Plásticas, Bisnau, Pão com Manteiga, etc., todas de morte mais ou menos anunciada, mas que me permitiram ganhar diversos prémios em Salões de Humor - Porto de Mós e Oeiras - assim como o desaparecimento de vários originais e o não pagamento de alguns outros...
Há mais de dez anos que a minha actividade gráfica é quase inexistente em termos profissionais e públicos.
Mas continuarei teimosamente a desenhar...

-Em vez de BD, o que é que tens feito para ganhar a vida?C.Z. - Música. Concertos - essencialmente no estrangeiro.
Música para teatro, dança e cinema (muito pouco no último caso...)
Dei aulas - Forum Dança, Chapitô, CEM, Escola Superior de Música de Coimbra, etc..
Desde 2003 sou fundador - presidente de uma associação ligada aos experimentalismos artísticos - fundamentalmente musicais - que é a Granular. Que, claro, não me dá qualquer receita, antes pelo contrário, e que é o meu derradeiro investimento colectivista em Portugal - podemos aprender tarde mas aprendemos...

- Há algum projecto de BD que estejas a realizar, ou que gostasses de concretizar um dia?
C.Z. - Projectos há imensos!
Um livro com textos do Rui Eduardo Paes, livremente baseado num espectáculo que fiz em 2003 - Senso - que está pronto mas com imensas dificuldades de edição pois não é nem ilustrativo, nem BD nem novela gráfica!
Projectos de instalação e desenvolvimento intermédia; cada vez mais interessado pelas possibilidades informáticas na manipulação vídeo e na concretização de pequenas animações.
Seriamente a pensar na publicação NET de tiras críticas ou abstractas perante a cada vez maior imbecilidade instalada...
Algo que compreendi há muito em relação à minha abordagem BD foi que preferencialmente me atraía o lado nonsense, exploração gráfica extrema, a experimentação plástica/visual/conceptual. Comecei essas ideias antes de tempo, há trinta anos, algumas viram esporadicamente a luz sem sucessão...
Hoje que finalmente alguns autores exploram justamente essas áreas, eu serei considerado velho e ultrapassado - ou pura e simplesmente ignorado, pois esta é uma tendência bem lusitana = nunca se fazer a história recente, pelo menos enquanto os seus protagonistas ainda estão vivos.
Há um ostensivo ignorar de quem veio antes, e continua-se alegremente a voltar à estaca zero...
E como isto acontece também nas músicas, presumo ser um mal nacional, eventualmente endémico.
---------------------------------------------------------

"Posts" remissivos sobre a revista VISÃO de Banda Desenhada:
1ª Parte -
Textos generalistas acerca da revista: 2005-(I) Dezembro, 10; (II) Dezembro, 11
2ª Parte - Entrevistas a autores-artistas da revista: 2006- (III) Maio, 30-Victor Mesquita; (IV)Maio, 31- Pedro Massano; (V)Junho, 13- Isabel Lobinho

Sem comentários: